Ferramentas pra prevenção do abuso sexual na infância e adolescência
Eu estava curiosíssima pra conhecer esse novo lançamento da Editora Aletria e ele chegou pra mim nesse final de semana. Não me toca, seu boboca! trata do abuso sexual infantil e conta, em primeira pessoa, uma situação difícil pela qual a coelha Ritoca passou: um “tio” bonzinho, que há pouco se tornou seu vizinho e encantou a todos os animais do bairro, brincando e dando-lhes presentes.
Não demorou pra que o “tio Pipoca”, como era chamado, convidasse os pequenos pra passarem uma tarde em sua casa, com muita diversão e apenas uma condição: não contar pra ninguém! Claro que ele estava mal intencionado, mas que criança desinformada é capaz de perceber isso? Lá se foi a turminha brincar na casa do “tio” e foi assim que…
Quando estávamos sozinhos, ele disse com tom de voz diferente:
“você é bem bonitinha…”
Mexeu na minha orelha para ver o brinco que eu tinha.
Quis olhar a minha boca “pra ver se faltava dente”,
foi pegando no meu pescoço, pedindo que eu não fizesse alvoroço…
É de arrepiar a espinha, ainda mais que as ilustrações, embora muito bonitas, são bem fortes. Ritoca consegue se livrar da situação gritando e pedindo a ajuda dos amigos, mas sabemos que nem sempre as crianças ou adolescentes têm condições de perceber que estão passando por uma situação de violência e que não devem permitir se submeter a essas circunstâncias.
Fácil identificação e alertas
Esse é o lance legal do livro: apresenta uma situação bem corriqueira, que a maioria pode facilmente identificar caso passe por algo semelhante. O livro ainda apresenta algumas ilustrações do que seriam situações “proibidas” e traz alertas de atitudes suspeitas e que não devem ser aceitas.
É uma leitura bem importante e necessária, mas que deve ser feita na companhia de um adulto, para que depois exista uma boa orientação e conversa a respeito.
É importante também que as crianças conheçam seus corpos, saibam quais são as partes íntimas, como cuidá-las, quem pode ou não tocá-las, em quais situações e como. Para isso, Pipo e Fifi é um livro muito bacana – já falei dele aqui no blog e contei a história no canal (que até viralizou no facebook e whatsapp!).
Informando com acompanhamento
Acho que as ilustrações de “proibido” não ficam tão claras se não forem bem explicadas por adultos mediando a leitura. Por exemplo: a imagem inferior da página 31 (retratada acima) pode ser entendida como uma mãe ajudando o filho a se trocar e isso não é proibido. Se observarmos com atenção, a expressão do cavalo não é das mais amigáveis, então podemos concluir que ele está mal intencionado, mas isso pode passar batido numa leitura rápida. Por isso vou frisar aqui a importância de deixar beeeem claro o que pode ou não, elucidar o que é “agir errado”, o que é “fazer maldade” etc.
Informação e conhecimento são excelentes armas para a prevenção da violência e do abuso sexual! Bora informar a criançada.
Não me toca, seu boboca! De Andrea Viviana Taubman e ilustrações de Thais Linhares. Editora Aletria.
Complemente a leitura
Um livro bem bacana que pode complementar a leitura do “Não me toca, seu boboca!” é Pipo e Fifi – prevenção de violência sexual para crianças e que eu já contei no canal.
- Disque 100: serviço de proteção de crianças e adolescentes com foco em violência sexual, vinculado ao Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, da SPDCA/SDH. Basta discar o número 100 (é gratuito e aceita ligações anônimas);
- Proteja Brasil: Esta iniciativa do UNICEF permite que sejam feitas denúncias diretamente por um aplicativo disponível para android e IOS, além de localizar os órgãos de proteção nas principais capitais e ainda se informar sobre as diferentes violações. As denúncias são encaminhadas diretamente para o Disque 100.
Dica de profissional
A Caroline Arcari, fez um post no facebook dela que pedi para compartilhar aqui com vocês, aí vai:
*A Caroline Arcari é a autora do livro Pipo e Fifi, pedagoga e educadora sexual, especialista em Educação Sexual pelo CESEX e mestre em Educação Sexual pela UNESP.
Tem muita gente me pedindo um parecer sobre os novos livros sobre violência sexual que estão saindo no mercado editorial.
É uma grande alegria o despertar das pessoas para a necessidade de falarmos sobre esse assunto com as crianças. Para que elas criem ferramentas para detectar a diferença entre toques de afeto e toques abusivos.
A autoproteção, como é chamada essa abordagem, é uma das formas mais eficazes de enfrentamento da violência sexual, sabia? Então, aí vão as orientações na escolha do livro:
- Tem livro incrível e tem livro com conteúdo duvidoso. Cabe à família e educadoras/es prestar atenção na qualidade do texto e ilustrações.
- Alguns livros, apesar da boa intenção, acabam reproduzindo estereótipos que se afastam da realidade. Abusadores com cara de malvado, pegando a criança à força, com aparência assustadora e ameaçadora. A maioria dos autores da violência são gentis, amáveis e conhecidos da criança e isso PRECISA ser dito a ela.
- Alguns livros tratam a violência de forma muito subjetiva. Termos como “toques estranhos”, “carinhos esquisitos” são muito confusos. Quanto mais nova a criança, mais assertiva precisa ser a linguagem. Selecione livros que informem sobre partes íntimas. Que revelem como são esses toques abusivos e que abordem questões como segredo e busca de ajuda.
- Prefira livros cujos personagens contemplem ambos os gêneros. Livros que mostram apenas meninas sofrendo abuso sexual podem reproduzir o mito de que meninos raramente são vítimas. Estatisticamente, até 27% dos meninos e 36% das meninas sofrem algum tipo de violência sexual até os 12 anos de idade.
No mais, é incrível ter variedade de materiais e obras sobre essa temática. Pra quem está na área da prevenção, sabe o quanto lutamos diariamente para que essa temática encontre espaços na escola, nas famílias e em outros contextos educativos. Aqui estão livros e materiais que eu adoro, além dos meus filhotes Pipo e Fifi:
Projeto do Conselho Europeu: Aqui ninguém toca
Livro O segredo de Tartanina